
Nada como sugar dos canais Discovery Channel e Animal Planet conhecimentos relativos às maravilhas, que a natureza nos oferece, nas horas em que nada nos ocupa a não ser o nada fazer.
Em momentos de puro ócio – considerando que a passividade bem dosada é também importante na vida – saber e conhecer as mais recentes descobertas em campos como a biologia, por exemplo, pode ser interessante forma de descanso, sem que esteja completamente à toa.
Foi numa dessas sessões de conhecimento sobre comportamento animal, espécies estranhas e esquisitas, que dei retrocesso na memória, mergulhando na infância, lá pelos cinco ou seis anos de idade.
Antes de prosseguir com o relato, visualizo sorrisos zombeteiros dos que consideram impossível guardar lembranças de tão tenra idade.
Muitos não se lembram mesmo – há políticos, por exemplo, que não se lembram do que disseram no dia anterior -, mas isso não invalida o que outros contam sobre suas lembranças mais antigas, quando ainda nos primeiros contatos com o mundo exterior, especialmente se incluído o mundo animal..
Tenho lembranças esparsas de quando tinha apenas dois anos de vida.
Como já dito, tinha cinco ou seis anos, quando papai levou a família para morar nas imediações da antiga estação ferroviária, Dom Bosco.
Ele trabalhava na Enrico Guarneri, que explorava a jazida de mármore na localidade do Cúmbi, e, a mudança lhe facilitaria em muito, pois, para chegar ao trabalho levantava-se diariamente às três horas da manhã, para percorrer de dez a quatorze quilômetros, a pé, dependendo do ponto onde estava, pois era integrante da turma de manutenção de estradas da empresa.
Teve muita experiência desagradável, quando algum animal estranho lhe surgia à frente ou cruzava o caminho.
Fomos morar em rancho coberto de sapé, levantado algo em torno de duzentos metros afastado da margem direita da estrada entre Dom Bosco e Cúmbi.
Nessa época já garatujava as primeiras letras, na lousa portátil de ardósia, e lia as primeiras palavras na cartilha “a e i o u”, ensinado pela mamãe, que ainda assava biscoitos com formato de todas as letras do alfabeto, para que eu as assimilasse mais facilmente.
Eu participava também do trabalho de dar-lhes forma.
O rancho era bastante rudimentar, salvando-se apenas o espaço, mais que suficiente, e o quintal a perder de vista com direito a muita vida animal e regato de águas cristalinas.
Dentro de casa, de vez em quando, sentiam-se cócegas nas solas dos pés, provocadas por minhocuçus, que rompiam o mal batido chão de terra.
Certo dia, no lusco-fusco, ao anoitecer, vi no chão algo como argola brilhante. Imaginei tratar-se de broche, que a mamãe tivesse perdido e me abaixei para apanhá-lo.
Pequei e soltei imediatamente, pois era ser vivo, um animal; lagarta não maior que cinco centímetros.
Largada no chão, ela se pôs em movimento e então pude observar como era interessante a lagartinha no escuro. Em cada extremidade havia uma luz vermelha e, ao longo do corpo, nos dois lados, luzes brancas. Lembrava um trenzinho à noite.
No momento, minha consciência infantil desejou que aquilo fosse brinquedo, mas deixei o bichinho tomar seu rumo e nem vi onde o animal se meteu.
Curiosamente e ao contrário da tendência infantil de apregoar novidades e descobertas, também não falei com ninguém sobre aquela experiência.
Por pouco tempo o rancho foi nossa morada, pois, ao entrar o período chuvoso, constatou-se que a cobertura não impedia a água de entrar, alagar e transformar o chão em barro.
Voltamos para mesma casa de onde havíamos saído, em Cachoeira.
O segredo da lagarta luminosa continuou comigo por cerca de 65 anos e, somente então, em ocasiões oportunas, passei a comentar com algumas pessoas. Nunca ouvi de outrem, ou vi em livros, referências a essa espécie de lagarta.
Com o advento da internet, por diversas vezes, pesquisei e nada encontrei, até que, passado algum tempo, acessei referência registrada pelo biólogo Pedro Gomes, sobre ocorrência nas praias de Ilha Grande, região da Costa Verde, Angra dos Reis-RJ.
Entretanto, as lagartinhas da Ilha Grande seriam menores, medindo até um centímetro e meio e, segundo descrição do biólogo, a luz ao longo do corpo é verde claro.
Pedro Gomes acrescenta que, na qualidade de biólogo, pesquisou e não encontrou relato sobre a lagarta bicolor.
Se a lagarta ainda ocorre na região de Dom Bosco, mais de setenta anos depois de eu ter visto um exemplar, é mais um animal raríssimo a viver em território ouro-pretano, não muito longe do Vale do Tripui, onde ocorre o famoso peripatus acacioi.